Artista poliédrico e multifacetado, Bernini é considerado o maior protagonista da arte figurativa barroca. Durante toda a sua extraordinária carreira, seu trabalho inspirou tanto a artistas quanto a arquitetos, dominando o cenário europeu por mais de um século após sua morte. Graças ao grande legado artístico, sua influência se faz sentir ainda hoje no mundo das artes.
Escultor, arquiteto, pintor, cenógrafo, comediógrafo e desenhista, Bernini desenvolveu a sua brilhante carreira artística em Roma, onde era conhecido como o arquiteto de “San Pietro”. Sua obra foi marcada por uma multidisciplinaridade brilhante e insuperável, desenvolvendo-se plenamente nas três grandes manifestações das artes (arquitetura, escultura e pintura) como forma integrada única de expressão. Afirmou-se como um dos maiores expoentes do barroco em todo o mundo, estendendo sua influência ao cenário europeu por mais de 100 anos. O estudo da arte clássica foi a base da formação artística de Gian Lorenzo Bernini. Algumas restaurações indicam o seu gosto e intenções claras, numa interpretação original do helenismo em criações como “O Hermafrodita”, obra exposta no Museu do Louvre, onde uma cama em mármore doa um efeito realista a uma obra antiga. Bernini provava um profundo respeito pela integridade e pela leitura filológica das obras de arte que tratava, como evidenciado na restauração do Ares Ludovisi que realizou em 1627. A obra, uma representação de Aquiles de pé, descansando os braços, foi restaurada por Bernini como um mártir, adicionando todas as peças em falta, detalhes reconhecidos pela escolha diferente de mármore e o tratamento realizado em diversas fases de processamento. De temperamento forte, apesar dos modos de cavalheiro, envolveu-se em um dramático episódio, num triângulo amoroso que teve como personagens a sua amante e o seu irmão. Depois de ter sido desprezado pela corte papal devido ao inusitado e escandaloso episódio, Bernini retornou triunfante, deixando para a posteridade uma das mais perfeitas e comovenetes obras de arte escultórea; O Êstase de Santa Teresa (assista ao vídeo a seguir) é um marco da genialidade de um dos maiores artistas do barroco italiano.
OS ANOS DE FORMAÇÃO
Ao lado, auto retrato de Bernini (Giovan Lorenzo Bernini). Mais conhecido como Gian Lorenzo Bernini, nasceu em Napoli em 7 de Dezembro de 1598, filho mais velho de Pietro Bernini, escultor “tardo-maneirista”, toscano de Sesto Fiorentino, e da plebéia napolitana Angelica Galante. O jovem Gian Lorenzo passou os primeiros anos de sua infância em Napoli, onde seu pai Pietro havia se transferido a convite do vice-rei para trabalhar no mosteiro de San Martino; Bernini se aproximou do mundo da escultura na cidade partenopea, acompanhando o pai Pietro, sempre fascinado pelo trabalho que o genitor executava, sob comissão, no mais puro mármore de Carrara.Em 1606, Pietro Bernini se mudou com sua grande família para Roma, atendendo ao chamado de Papa Paulo V. A formação de Bernini deu-se dentro do universo artístico romano, sob a orientação de seu pai, naquele momento o único em condições de avaliar o talento precoce de seu filho, incentivando-o e ensinando-lhe os primeiros rudimentos de escultura. Naqueles anos, Pietro Bernini foi completamente absorvido pelo trabalho que deveria executar na Capela Paulina em Santa Maria Maggiore, construída por Papa Paulo V para albergar o seu túmulo e de seu antecessor Clemente VIII, num ambiente que contava com uma grande quantidade de pintores ativos, escultores e decoradores, habilmente coordenados pelo arquiteto Flaminio Ponzio. A direção atenta de Ponzio ofereceu ao jovem Gian Lorenzo reflexões concretas sobre a organização de um canteiro de obras coletivo, e também sobre a importância de um trabalho de grupo, entendido como um projeto unitário mesclando arquitetura, pintura e escultura, e não como a soma das intervenções autônomas individuais. No futuro, esse aprendizado contribuiu para que Bernini dirigisse com sucesso vários canteiros de obras; a intuição e os ensinamentos de seu pai, contribuíram para que Bernini trilhasse desde o início, uma carreira vencedora.
O Rapto de Proserpina, Galleria Borghese, Roma.
Nesse ínterim, Gian Lorenzo, inicialmente um simples discípulo de Papa Pietro, tornou-se um colaborador ativo; pai e filho trabalharam juntos em “Príapo e Flora” em Villa Borghese, ocasião em que Gian Lorenzo demonstrou sofrer uma forte influência naturalista de Caravaggio, na realização de um “cesto de frutas”. Pai e filho também trabalharam juntos na decoração da capela Barberini em Sant’Andrea della Valle e no Fauno brincando com dois cupidos, onde o legado da antiguidade é revisitado pelos dois sob uma ótica mais contemporânea. A PARCERIA COM SCIPIONE BORGHESE Através de seu pai, que naturalmente promovia o filho, Gian Lorenzo entrou em contato com seu primeiro comitente, o cardeal florentino Maffeo Barberini, que inicialmente encomendou alguns interventos em uma das esculturas inacabadas da Pietà de Michelangelo Buonarroti. Em seguida, encomendou a construção de quatro querubins para a capela da família, em Sant’Andrea della Valle.
Imagem acima: A fonte de Netuno, localizada no centro de Napoli, foi realizada, em parte pelo pai de Bernini que esculpiu os animais e monstros marinhos. Encomendada pelo vice-rei Enrique de Guzman, conde de Olivares, que governou Nápoles de 1595 para 1599. Na construção da fonte também participaram Michelangelo Naccherino (que construiu a Netuno), Angelo Landi e Pietro Bernini, pai do genial artista barroco. Antigamente pensava-se que a fonte fosse o trabalho de Giovanni Domenico D’Auria que, no entanto, já havia falecido quando Olivares era o vice-rei.
A qualidade de suas obras atraiu a atenção de outro cardeal, Scipione Caffarelli-Borghese (imagem ao lado) que em 1618 decidiu apostar em Bernini - nessa época um jovem e esbelto rapaz nos seus poucos 20 anos de idade - confiando-lhe a execução de um pequeno busto de seu tio, o Papa Paulo V. Motivado pela genialidade do jovem escultor, Scipione tornou-se um patrono entusiasta das artes, comissionando-lhe a realização de obras que o mantiveram ocupado a partir de 1618 e até 1625. São desse período o bloco que representa “Enea, Anchise e Ascanio” fugitivos de Tróia (1618-1619), o Rapto de Proserpina (1621-1622), o David (1623-1624) e Apollo e Dafne (1622-25). Todas estas esculturas andaram a ornamentar a luxuosa vila de Scipione Borghese nos arredores de Porta Pinciana. Enquanto isso, a fama de Bernini foi se consolidando, o que se pode deduzir das palavras de Fulvio Testi, em uma carta ao Conde Francesco Fontana: O Cavalier Bernini, aquele escultor muito famoso que fez a estátua de Apolo e Daphne ... que é o Michelangelo do nosso século ... e que é um homem fascinante que faz enlouquecer as pessoas. Além da grande escultura, Bernini alcançou resultados notáveis também na produção de bustos. Costruiu imagens incrivelmente nítidas com as expressões dos rostos, os movimentos dinâmicos de corpos e poses dramáticas que conferiram ao su trabalho personalidade e individualidade, em nítido contraste com os bustso severos e ”inertes” realizados pro outrso escultores. O busto de Constanza Bonarelli é um claro exemplo da genialidade escultória do artista.
COSTANZA BONARELLI Esposa de Matteo Bonarelli ou Bonucelli, escultor, restaurador e comerciante de artes, ajudante de Bernini. Nascida em 1614, filha de Lorenzo Piccolomini, expoente do ramo menor viterbese de uma importante família senese. Constanza foi documentada pela primeira vez em 1625, aos 15 anos de idade, em Roma. O nome da mãe não consta no seu registro porque na paróquia de São Lorenzo em Lucina Costanza resultava como residente na estrada “atrás do palácio da Igreja” - atual “via della Vite” - com seu pai Leonardo e a mulher dele, Tiberia. Costanza nem mesmo mencionou o nome da sua mãe, em seu testamento, data 23 de Janeiro de 1662. Apesar da ascendência nobre, o pai pertncia ao ramo pobre dos Piccolomini, dado qeu de profissão fazia o “carteiro”. O nome nome e a consequenet associação à linhagem nobre da família, foram fundamentais para a vida de Constanza, em geral chamada ‘Signora’. Em 15 de Agosto de 1628, Costanza recebeu um dote de 45 escudos (o equivalente ao aluguel anual de uma casa de dimensões modestas) da Confraternidade de São Rocco, em ocasiao da “festività dell’Assunta”, financiada por Giambattista Borghese, irmão do Papa reinante Paolo V. Em 1630 recebeu a promessa de um segundo dote (26 escudos e 44 baiocchi) da Confraternidade de Gonfalone. Costanza contraiu matrimônio com o escultor, restaurador e comerciante de arte Matteo Bonarelli (o Bonucelli) da cidade de Lucca, em 16 de Fevereiro de 1632 na sua paróquia de San Lorenzo, em Lucina. Em 28 de Fevereiro do mesmo ano, o casal obteve o registro de matrimônio, celebrado pelo padre de noem Leonardo, com omarido Matteo, e o dote foi fixado em 289 escudos. Costanza estava com 18 anos, 10 a menos do que o marido Matteo. O ENVOLVIMENTO COM BERNINI E O ESCÂNDALO A primeira evidência da atividade de Bonucelli como assistente de Bernini tem registro no ano de 1636, com a anotação de pagamentos para três blocos de mármore para San Pietro, realizados por Matteo em nome de Bernini. Quando os dois se conheceram, Constanza era uma mulher casada de 22 anos, e Bernini um atraente solteirão de trinta e oito. O retrato do Bargello, onde o escultor de cardeais e papas imortalizou sua amante em mármore, pode ter sido iniciado em 1636 mas foi certamente terminou em Outubro de 1637 quando Fulvio Testi, amigo de Bernini, em uma carta ao conde Francesco Fontana declarou tratar-se do retrato mais belo jamais feito por Gian Lorenzo. Portanto, segundo a sua opinião, o trabalho deveria ser conhecido publicamente. Tudo isso enquanto o marido de Constanza trabalhava para Bernini na Basílica mais sagrada do cristianismo, a São Pedro em Roma. No final do verão de 1638, o escândalo veio à tona. Quando descobre que sua amante tem um relacionamento com seu irmão, o matemático Luigi, Gian Lorenzo enlouquece de ciúmes - seus excessos são descritos na carta desesperada de sua mãe, Angelica Galante Bernini, ao cardeal Francesco Barberini, sem data, no outono de 1638. Angelica escreve que Gianlorenzo, acreditando-se “dono do mundo”, ameaçou seu irmão à espada, e suplica ao cardeal que encontre uma maneira de “conter o ímpeto do meu filho.” Por outro lado, Angelica não diz como Gian Lorenzo castigou sua amante infiel (assista aos vídeos no final). Enquanto isso, Luigi escapa de Roma para trabalhar em Bolonha. Do crime, que o jurisconsulto Prospero Farinacci descreve como “atrox et grave delictum”, as cortesãs eram frequentemente vítimas. Constanza foi tratada como criminosa, enviada à prisão no Domus Pia de Urbe, conhecido como o mosteiro de Casa Pia, enquanto o servo de Bernini que a desfigurou foi exilado. Gian Lorenzo foi inicialmente condenado ao pagamento de uma multa de 3.000 escudos e depois perdoado, enquanto seu irmão, que não era tão importante aos olhos do Papa Urbano VIII, foi exilado de Roma. Em 7 de abril de 1639, depois de escrever um angustiante pedido ao governador, Constanza foi “devolvida ao marido”.
O Busto de Costanza Bonarelli (à esquerda) é uma obra do insígne e genial escultor. Foi executada em mármore (altura 72 cm), entre os anos de 1636 e 1638 aproximadamente. Hoje se encontra no Museu Nacional do Bargello, em Florença (Firenze), vindo da Galeria Uffizi, onde foi exibido desde 1645 no primeiro corredor ao lado do busto de Brutus de Michelangelo. Foi realizado por Bernini como um trabalho “privado”; isto é, provavelmente feito para ele mesmo e não a pedido de um cliente, retratando a mulher que por algum tempo foi sua amante. O fato do busto ter permanecido por muito tempo na residência do escultor também, é prova inequivocável do apego do artista à modelo que por tantos anos foi a sua amante. Nota: O busto do Bargello é o único retrato marmóreo conhecido de Bernini, em que o artista retrata uma pessoa comum, em contraste com os outros de prelados, nobres, papas e reis. Por esta razão, o busto da Bonarelli pareceu estar mais associado à atividade do Bernini pintor, que consistia precisamente de retratos (além de auto-retratos) realizados para o prazer pessoal e quase certamente também não comissionados. Na verdade, os retratos pictóricos de Bernini são, na verdade, retratos de pessoas comuns, tanto que, em muitos casos, a identidade das efígies (talvez parentes ou amigos ou jovens colaboradores) é ignorada. Como aconteceu com a reslização dos retratos pictóricos (ao contrário de outros bustos de mármore) o busto de Costanza Bonarelli não transmite a imagem qeu reflete a posição e papel social da pessoa retratada, gozando de liberdade artística completa. Desprovido das preocupações com as necessidades de um comitente facultoso, o busto de Costanza nos remete a qualquer momento de sua vida em que talvez lhe tenham aflorado os sentimentos e o vínculo pessoal entre o sujeito retratado e o autor do trabalho. SAN MARINO HOMENAGEIA BERNINI O anverso da moeda comemorativa de 2 euros, emitida por San Marino por ocasião do 420º aniversário do nascimento de Bernini, retrata o famoso retrato de mármore "Busto di Costanza Bonarelli", mantido no Museu Bargello, em Florença. É um dos exemplos mais belos e significativos do barroco: o artista impressionou em mármore a vitalidade da mulher, cujo olhar cria uma ligação direta com o espectador que só pode ser fascinado por ela. Cortesia do Museu Nacional de Bargello - com permissão do Ministério do Patrimônio Cultural e Atividades e Turismo.
APOLLO E DAFNE - GALLERIA BORGHESE
Comentários