As moedas cunhadas em períodos de pandemias. Vital Brazil, Oswaldo Cruz, Fiocruz.
Peste negra (ou morte negra) é o nome pela qual ficou conhecida uma das mais devastadoras pandemias na história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia. Somente no continente europeu, estima-se que tenha vitimado pelo menos 1/3 da população, durante o período considerado o auge da peste, entre os anos de 1346 e 1353. A doença é causada pela bactéria Yersinia Pestis, transmitida ao ser humano através das pulgas dos ratos pretos ou através de outros roedores.
Nessa época, os brasileiros se resumiam às populações indígenas que habitavam a região. Acredita-se que a peste tenha surgido nas planícies áridas da Ásia Central, região que compreende as estepes, montanhas e desertos entre o leste do mar Cáspio e o centro-oeste da China, entre o norte do Irão e Afeganistão, e o sul da Sibéria, e foi se espalhando principalmente pela rota da seda, alcançando a Criméia em 1343. No total, a praga pode ter reduzido a população mundial de em torno de 450 milhões de pessoas para 350 milhões de almas, em meados de século XIV. A população humana não retornou aos números anteriores, até o século XVII. A peste negra continuou a aparecer de forma intermitente e em pequena escala pela Europa até praticamente desaparecer do continente no começo do século XIX.
Imagem acima: República de Veneza, Fiorino datado no período que compreende os anos de 1252 a 1303. Essa moeda circulou em grande parte da Europa, entre 1189 e 1532. Devido à epidemia de peste que se abateu na Europa, inicialmente entre 1346 e 1353, são raríssimos os exemplares cunhados nesse período. Os poucos existentes, são considerados moedas emergenciais.
A PESTE EM VENEZA
A peste negra gerou vários impactos e consequências religiosas, sociais e econômicas, afetando drasticamente o curso da história européia. No verão de 1575 propagou-se em Veneza uma terrível epidemia de peste que em apenas dois anos iria fazer 50 mil vítimas mortais, quase um habitante em cada três. Em setembro do ano seguinte, quando a doença parecia invencível, o Senado da Sereníssima invocou a Ajuda Divina, prometendo construir uma nova Igreja com o nome do Redentor, em troca da milagrosa cura da terrível doença.
Imagem: "Largo Mercatello durante a peste em "Napoli" (1656), do pintor napolitano Micco Spadaro, período barroco.
Assim, em maio de 1577, a primeira pedra do edifício foi colocada em um projeto do arquiteto Andrea Palladio. Em 20 de julho do ano seguinte, o fim da praga foi celebrado com uma solene procissão que chegou à igreja através de uma notável quantidade de embarcações, criando uma tradição de Fé e devoção que ainda perdura até os nossos dias. O projeto palladiano - o grande arquiteto de Vicenza, falecido em 1580 - foi concluído por Antônio da Ponte em 1592, sofrendo mínimas mudanças em seu projeto, nos séculos por vir.
Símbolo de gratidão pela intervenção divina que salvou Veneza da praga, a Basílica do Redentor em Giudecca (pequeno arquipélago, e também o nome da sua ilha principal, ao sul do centro de Veneza) também aparece na osela (moeda-medalha que era cunhada a cada ano, na Casa da Moeda e Veneza, doada pelo Doge às personalidades que se destacavam na República) de ouro com 5 lantejoulas e outra de prata, personificando o 85º Doge Alvise I Mocenigo, cunhadas em 1576.
ANVERSO: Em torno de uma vista em perspectiva colunas e estátuas, com o leão de São Marcos no frontão, lenda e data do passeio. Na retaa lenda em um círculo ALOY MOCENIGO P MVN ou MV ou ALOISI MOCENI PR MVN (ALOYSII MOCENIGO / PRINCIPIS MVNVS), exergada no ANO VII, em campo o Salvador entronizado com faixa, atrás do leão, que abençoa o dojo ajoelhado. REVERSO: "REDEMPTORI VOTVM MDLXXVI", também alterado para "REDEMTOR VOTVM MDLXXVI", "REDEMTORTOR VOTVM MDLXXVI" ou "REDEMTORI VOTVM MDLXXVI" ou "REDEMTORTOR VOTVM MDLXXVI" ou "REDEMTORTOR VOTVM MDLXXVI" ou "REDEMTORTOR VOTVM MDLXXVI" ou "REDEMTORTOR VOTVM MDLXXVI").
Imagem acima: Osela, moeda de prata ou medalha pública cunhada no ano de 1521, pelo Doge Antonio Grimani. O valor da primeira Osella era de trinta e dois anos e meio e trinta e seis; em 1571, subiu para quarenta e três; por volta de 1630 a cinquenta e dois; quinze anos depois para sessenta e sessenta e dois; finalmente, em 1734, passou a setenta e oito dinheiros, um valor que perdurou imutável até 1797. O Doge , devido à antiga tradição antiga, em dezembro de cada ano, dava a cada nobre do Grande Conselho, a permissão de caçar cinco gansos selvagens na região. Em 1521, o conselho, devido às guerras que impediam a caça, decretou que uma moeda fosse cunhada, e entregue aos nobres, em vez de pássaros, "oselle" (do veneziano oseło , "pássaro") . A cunhagem terminou em 1797, com a queda da República.
Entre 1629 e 1633, o norte da Itália foi afetado por uma das epidemias mais graves da história : é a famosa pestilência da memória de Manzoni, que devastou as grandes cidades do norte da península, chegando a tocar os territórios da Toscana. Nessas áreas, a peste matou cerca de 1 milhão e cem mil pessoas, praticamente 25% da população daquele período. Algumas cidades, como Pádua e Verona, Milão e Turim, tiveram uma taxa de mortalidade muito mais alta: em Pádua, até 60% dos habitantes morreram, em Turim, mais de 30%. Na capital do Piemonte, a peste deu entrada na região, em janeiro de 1630.
O sapateiro Franceschino Lupo, de Turim, foi a primeira vítima da grande praga. À primeira vista, detalhes triviais, o trabalho deste Franceschino facilita entender por que ele foi o primeiro infectado na cidade: a primeira pessoa a contrair a terrível doença só poderia ser um homem constantemente em contato com as solas das botas e sapatos, que entravam em contato com o solo das ruas anti-higiênicas, em uma época em que saneamento não era a prioridade. Depois de Franceschino seguiu-se o masacre; 10...100...1000, milhares de pessoas infectadas com manchas pretas e purulentas. Com o final do inverno, a situação obviamente piorou e o calor favoreceu a infecção. Os corpos em decomposição se amontoavam em montões que atingiam, nos piores momentos, o primeiro andar das casas, de cujas janelas os cadáveres costumavam cair. Tal qual acontece hoje, com a epidemia de coronavírus, os portões da cidade foram fechados e os estrangeiros foram proibidos de entrar, numa tentativa desesperada de limitar o número de mortes.
GIOVANNI FRANCESCO BELLEZIA e GIOVANNI FRANCESCO FIOCHETTO
O destino queria que as duas figuras mais importantes daqueles momentos tivessem o mesmo nome. Com a fuga dos reinantes Savóias para Cherasco, na esperança de evitar a infecção, a cidade de repente se viu sem um guia. Felizmente, esses dois homens provaram ser dignos da honra que a História lhes concedeu nos séculos seguintes.
Imagem acima: Fiorino cunhado na Casa da Moeda de Veneza durante o reinado de Carlo Emanuelle I de Savóia. Essa moeda foi cunhada entre os anos de 1580 e 1630, sendo extremamente raros os de data 1630, ano em que foram suspensas as cunhagens devido à peste que se difundiu por toda a península.
O primeiro, Giovanni Francesco Bellezia , foi o prefeito da cidade. Ele tomou medidas diretas para gerenciar a máquina de assistência médica e compras, bem como para limitar os episódios de saques. Quando foi afetado pela doença (da qual, felizmente, sobreviveu), continuou a dar instruções de sua cama, no número 4 da rua que hoje leva seu nome.
Cibrario escreve: “Enquanto todo mundo estava fugindo, buscando ao ar livre do campo e entre os recantos das montanhas um asilo contra a morte, a cidade se dissolveu e governou, quando precisava de mais governo, estava em perigo de vários males. , Bellezia, ficou quase sozinho e assumiu toda a carga de assuntos públicos ”.
O MÉDICO DA PESTE
O segundo, Giovanni Francesco Fiochetto, era o médico do tribunal. Apesar do conhecimento limitado da época, ele nunca deixou a cidade e foi um dos primeiros a entender o papel fundamental da cuidadosa higiene pessoal para limitar o contágio, em detrimento de bobas superstições astrológicas. Vinagre para lavar as mãos, janelas abertas, queima de móveis e roupas infectados, esterilização de moedas; estas são apenas algumas das precauções impostas pelo médico à população de Turim. Ele forçou o município a preparar cabras para amamentar órfãos, investigou médicos que se recusavam a tratar os mais pobres. Ele também, como o prefeito Bellezia, sobreviveu à praga, embora tenha perdido a filha. Em 1631, Fiochetto publicou o "Tratado da peste e contágio pestífero de Turim" , que foi reimpresso pelo seu valor científico em 1720, durante a peste de Marselha. Dentro de seu trabalho, Fiochetto também descreve várias cenas angustiantes. Entre estes, a morte de dois irmãos de dois e quatro anos, encontrados abraçados nas escadas da Igreja da Santíssima Trindade, na via Dora Grossa, a corrente via Garibaldi, e sempre abraçados foram enterrados.
DURANTE A EPIDEMIA DA EUROPA, SURGEM AS PRIMEIRAS MOEDAS BRASILEIRAS
Nessa época, era Rei de Portugal, D Sebastião I, filho do príncipe D. João Manuel e de D. Joana, nascido a 20 de janeiro de 1554, algumas semanas depois da morte de seu pai. Neto, por via materna, do imperador Carlos V, com apenas 3 anos de idade herdou a coroa após a morte do seu avô paterno, D. João III, em 11 de junho de 1557. Durante sua menoridade, foi regente a rainha D. Catarina. Um período de desavenças entre a regente e o cardeal D. Henrique, investido do cargo de inquisidor geral, antecederam a posse definitiva do reino por D. Sebastião que o assumiu plenamente em 20 de janeiro de 1568, entregando-se à realização de um de seus sonhos; a conquista do norte da África. Alheio aos conselhos de quem tentou dissuadi-lo, o jovem rei terminou pagando, com a própria vida, os seus erros, vindo a sucumbir na Batalha de Alcácer-Kibir, em 4 de agosto de 1578.
Informado a respeito do notável volume de falsificação do cobre de procedência estrangeira, que se encontrava em circulação no Reino e nas terras conquistadas (Brasil, inclusive), D. Sebastião I baixou a Provisão de 3 de Março de 1568, reduzindo o valor das moedas de cobre em curso. O patacão de 10 reais passou a valer 3 reais; a moeda de 5 reais passou a ter o valor de 1,5 reais e a moeda de 3 reais deveria ser aceita somente pelo valor de um real. Por fim, a moeda de real passou a valer apenas 1/2 real. A medida visava, principalmente, evitar a fuga de numerário para a Colônia; controlar as falsificações que se alastravam, e estimular o uso de moedas de baixo valor, usadas principalmente como troco (o valor circulatório da moeda de Real foi reduzido em 50%, enquanto a de X Reais, em 70% do seu valor nominal).
O documento partiu de Lisboa no dia 29/03/1568 com destino ao Brasil; chegou à Bahia em 17/09 do mesmo ano e no mesmo dia foi enviada para as capitanias do Rio de Janeiro, Porto Seguro, Espírito Santo e São vicente. Na cidade de Salvador, Baía de Todos os Santos, depois de retificada pelo próprio Ouvidor Geral e já trasladada nos livros da Câmara pela certidão recebida de Lisboa (passada a 29 de março de 1568) foi registrada na Bahia em 17 de Setembro de 1568. Uma vez publicada nas Capitanias de Porto Seguro, São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, entrou em vigor.
Trata-se do primeiro documento que determina — e oficializa de forma explícita — a circulação de moeda metálica no Brasil. Nela, como já esclarecido anteriormente, para desestimular a crescente produção de numerário falso, D. Sebastião reduziu o valor da moeda que estava circulando no reino e na conquista portuguesa na América. Foi esse sistema monetário primevo (10; 5; 3 reais e 1 real) a circular oficialmente no Brasil.
Determinou-se a baixa da moeda de cobre lavrada para circulação, ordenando ainda que fosse recebida com os valores reduzidos ”...em todos os meus Reynos e senhorios, e que pessoa algua as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações...”
Figura: O Real de D. Sebastião, da Provisão de 3 de março de 1568, emitida 7 anos antes da epidemia de peste que se alastrou por Veneza e por toda a Europa, oriunda da China.
A PESTE NO BRASIL
O final do século XIX fora um momento profícuo para o estudo da peste bubônica. Em um momento de acelerada expansão comercial marítima, controlada pela Europa, uma grave epidemia da doença surgiu na China em 1894, rapidamente se espalhando para Índia e Indochina, áreas de interesse estratégico da França e Inglaterra.
Nesses locais, com o apoio das autoridades metropolitanas, cientistas de diversas nacionalidades realizaram estudos buscando identificar o agente etiológico da peste. Os poucos casos registrados no Brasil se deram em Santos e em São Paulo, entre os anos de 1899 e 1900, desaparecendo misteriosamente, não chegando a se propagar, provavelmente, devido às medidas sanitárias impostas na época, graças aos esforços de Emílio Ribas de Oswaldo Cruz.
Figura: Moeda de ouro do Brasil, cunhada durante o príodo em que foram registrados os primeiros casos de peste no país, em Santos e São Paulo.
No dia 14 de agosto de 1899, uma notícia telegrafada de Portugal chegou ao gabinete de Nuno de Andrade, diretor-geral de Saúde Pública de um Brasil recém transformado em república. O telegrama anunciava que a cidade do Porto passava por um surto de peste bubônica. A informação, além de surpreendente, visto que havia mais de um século não se tinha registro de surtos da doença na Europa, era alarmante.
O Brasil mantinha relações comerciais estreitas com Portugal, e se providências não fossem tomadas era só uma questão de tempo até que a peste chegasse ao país.
Nuno de Andrade considerou necessário adotar estratégias severas, apoiadas pelo então ministro de Justiça e Negócios Interiores, Epitácio Pessoa: todos os navios vindos de Portugal estariam sujeitos à quarentena de 20 dias, e a medida se estenderia aos navios espanhóis. Também ficaria proibida a entrada de mercadorias como couros e peles, mobílias, roupas e acessórios, frutas, laticínios e retalhos de tecido.
As medidas foram duramente criticadas, especialmente pelo diretor de Higiene e Assistência Pública do Estado do Rio de Janeiro, o médico Jorge Alberto Leite Pinto.
Em cartas publicadas no Jornal do Comércio, ele considerou a decisão descabida. Seus principais argumentos eram que, dois anos antes, a Conferência Sanitária Internacional havia estabelecido o período máximo de 10 dias de quarentena para navios saídos de portos infectados, ainda que o Brasil não fosse signatário da convenção.
Ele também acreditava que o prejuízo econômico pelas restrições seria grande, porque o tempo parado no porto elevaria os preços dos produtos; e sustentava que a doença era facilmente dominável e tratável.
O mundo em 1899 era bem diferente do de 1720, quando Marselha registrou o surto anterior de peste na Europa e perdeu 50 mil habitantes. Era mais diferente ainda de 1346, quando a peste causou a morte de um número estimado entre 75 e 200 milhões de pessoas, a pandemia mais devastadora da história da humanidade, apelidada de Peste Negra.
Em 1894, o cientista franco-suíço Alexandre Yersin e o japonês Shibasaburo Kitasato finalmente identificaram o bacilo da doença. Dois anos mais tarde, o russo Waldemar Haffkine criou uma vacina contra a peste. Em 1898 Yersin usou os primeiros soros antipestosos em seres vivos e no mesmo período, o francês Paul Louis Simond descobriu que a doença era transmitida aos humanos pelas pulgas dos ratos.
Mas os novos conhecimentos e as providências adotadas (após quase um mês de debates públicos, Nuno de Andrade manteve sua decisão) não impediram a chegada e a disseminação da peste no Brasil. No dia 18 de outubro de 1899, foi oficialmente admitido que havia uma epidemia de peste bubônica em Santos, no litoral de São Paulo.
Investigação minuciosa
O processo de reconhecimento da epidemia não foi nada simples, justamente pelo contexto econômico da época. "No início, os governos tentaram esconder, por causa do comércio de café e dos imigrantes", diz a historiadora Olga Fabergé Alves, pesquisadora do Centro de Memória do Butantan.
Imagem acima: Os institutos foram instalados em locais afastados por causa do medo da população em relação aos experimentos lá desempenhados.
Santos era o segundo maior porto do país, de onde escoava a produção de café — em 1894, superou o Rio de Janeiro e se tornou o maior centro exportador de café do mundo. Por ele, também chegavam imigrantes para trabalhar na lavoura. Segundo os anuários estatísticos do Estado de São Paulo, 16.764 estrangeiros desembarcaram em terras paulistas em 1899.
O primeiro a levantar a suspeita da peste foi o médico santista Guilherme Álvaro. Chamado para atender um suposto caso de febre amarela no início de outubro de 1899, ele estranhou a evolução da doença e o aspecto do cadáver, que não era amarelado como as vítimas da febre. Ao aprofundar a investigação, encontrou ratos mortos nas redondezas da casa da vítima, que ficava perto de um armazém que guardava as bagagens dos passageiros marítimos.
"Ele achou que era a peste e que deveria ter quarentena, mas os empresários ficaram abalados e pediram uma revisão do diagnóstico", conta o historiador Luiz Antônio Teixeira, da Casa Oswaldo Cruz.
Imagem: O porto de Santos ao final do século XIX.
A diretoria geral do serviço sanitário pediu que o Instituto Bacteriológico do Estado de São Paulo enviasse alguém a Santos avaliar a situação.
Foi então que "o mais novo e obscuro dos ajudantes do instituto", Vital Brazil, "foi o designado para tal incumbência", conforme escreveu o próprio no relatório que redigiu sobre a peste. No dia 9 de outubro, ele partiu para Santos para integrar a comissão sanitária liderada pelo médico Eduardo Lopes.
A investigação se concentrou na casa da família Milone, que teve sete doentes e dois mortos, e mais tarde foi identificada como foco da peste. Inicialmente, Brazil acreditou que se tratava de tifo, até observar nas autópsias bacilos como os da peste.
"A característica epidemiológica, a observação clínica e a prova bacteriológica nos levam a concluir que a moléstia que estudamos em Santos é, sem dúvida alguma, a peste bubônica", concluiu o pesquisador em seu relatório. No 23º dia de pesquisas, ele próprio foi acometido pela doença.
"Nos lembraremos sempre do que vimos no prédio nº 39 da Rua 15 de Novembro", escreveu Álvaro no livro A campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos, lançado em 1919.
"Ao abrirmos as portas do armazém onde funcionara o bar, deparamos com mais de 40 ratões mortos espalhados pelo solo, muitos já em decomposição, jazendo alguns sobre os balcões. No andar superior ainda havia ratos mortos, vários existindo na cozinha e na pequena despensa ao lado. Fizemos incinerar logo para mais de 60 ratos encontrados em todo o prédio, e dada a presença de pulgas que nos atacaram e aos desinfectadores, não compreendemos ainda hoje por que não fomos vitimados pela doença, que na véspera havia prostrado o doutor Vital Brazil, no Hospital de Isolamento, onde trabalhava."
Apesar da declaração de situação epidêmica, o governo insistiu em mais confirmações. Foram chamados, então, os médicos cariocas Oswaldo Cruz e Eduardo Chapot Prévost, que mais uma vez atestaram que se tratava da peste.
O diretor-geral de saúde pública pediu demissão por se considerar incapaz de evitar a chegada da doença ao país. O ministro da Justiça, entretanto, não aceitou o pedido, e Nuno de Andrade permaneceu no cargo até 1903.
Saneamento e pesquisa
Se era tarde demais para conter a disseminação da peste, que de fato chegou ao Rio de Janeiro no verão de 1900 e se espalhou por outras cidades como São Luís, Porto Alegre e Recife, a estratégia se voltou para as medidas de enfrentamento. O principal objetivo era trazer da Europa o soro para o tratamento dos doentes.
"O problema é que o estoque estava muito baixo, por causa dos surtos em outras cidades, como no próprio Porto e na Ásia", diz a historiadora Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa Oswaldo Cruz. "Oswaldo se propôs então a criar institutos soroterápicos para produzir o soro no Brasil."
As autoridades sanitárias concordaram e encarregaram os pesquisadores que trabalharam na investigação da missão de fundar os institutos. "A ideia de impedir as quarentenas é que acabou gerando a criação de duas das maiores instituições de pesquisa do Brasil, para tentar impedir novas epidemias", diz Teixeira.
Acima, imagem do primeiro laboratório da Fiocruz. Foi em 'construições toscas e velhas' que se começou a fazer medicina experimental no Brasil.
Nas duas cidades, os institutos foram instalados em locais afastados por causa do medo da população em relação aos experimentos lá desempenhados.
Em São Paulo, o lugar escolhido foi a Fazenda Butantan (nome que em tupi-guarani significa "terra muito dura"), uma antiga chácara com 400 hectares comprada pelo governo que ficava a 8 km do centro da capital e a 6 km do hospital de isolamento, atual Instituto Emílio Ribas.
Inicialmente, foi considerado um laboratório do Instituto Bacteriológico, até virar uma instituição autônoma em 1901, sob direção de Vital Brazil. O prédio central, hoje batizado em homenagem ao primeiro diretor, foi inaugurado em 1914.
Na imagem acima, o Castelo da Fiocruz, erguido na fazenda de Manguinhos, em Inhaúma, na periferia da antiga capital federal.
No Rio de Janeiro, a área escolhida foi a fazenda de Manguinhos, em Inhaúma, na periferia da antiga capital federal. "Aquilo tudo era mangue, chegavam lá de barco e depois de charrete", conta Nascimento. Um dos discípulos de Oswaldo Cruz, Ezequiel Caetano Dias, descreveu: "Foi aí, nestas toscas e velhas construções, que se começou a fazer medicina experimental."
No dia 25 de maio de 1900, foi oficialmente inaugurado o Instituto Soroterápico Federal, atual Fundação Oswaldo Cruz. O prédio principal, conhecido como Castelo de Manguinhos, e os prédios adjacentes — cavalariça, quinino, pavilhão da peste, aquário, hospital e biotério —, começaram a ser construídos em 1903 e ficaram prontos em 1918.
Mesmo com a produção nacional de soro, só no primeiro ano de epidemia a capital federal registrou cerca de 500 mortes. Em 1903, com o número de casos aumentando, Oswaldo Cruz foi nomeado diretor da Diretoria Geral de Saúde Pública pelo novo presidente Rodrigues Alves, que tinha como principal meta a modernização do Rio de Janeiro.
A missão de Oswaldo Cruz era acabar com as epidemias de febre amarela, varíola e peste bubônica. A presença da peste não gerava somente entraves econômicos, impedindo que navios brasileiros aportassem no exterior sem quarentenas ou fazendo navios estrangeiros se recusarem a parar no porto do Rio, mas havia um estigma associado à doença, ligada ao mundo medieval europeu e aos horrores produzidos por ela.
Evolução da pesquisa nacional
Como diretor-geral, Oswaldo Cruz estabeleceu novas estratégias para eliminar a peste da capital. Entre elas, a fim de engajar a população na captura e extermínio dos vetores, criou um sistema de compra de ratos. As pessoas os entregavam aos agentes sanitários, apelidados de "ratoeiros", em troca de uma pequena quantia.
Ao contrário de outras medidas de Oswaldo Cruz, consideradas draconianas e estopim para revoltas populares (a mais famosa é a Revolta da Vacina, de 1904), essa teve adesão, embora um pouco às avessas. Uma das lendas urbanas mais conhecidas do período é a de Amaral, um morador que criava ratos com o único propósito de vendê-los e acabou preso pelos atos ilícitos.
Imagem acima: Moeda cunhada durante os anos de 1889 e 1912, fabricada também em 1904, ano da revolução da vacina.
Na capital paulista, medida parecida foi aplicada, com o valor de 300 réis por animal abatido. Diferentemente do Rio de Janeiro, cabia à população a caça e a venda dos animais ao desinfectório central. Em 1904, porém, a estratégia foi reformulada, e os animais passaram a ser exterminados por envenenamento com gases tóxicos.
A epidemia de peste bubônica no Brasil perdurou até 1907, mas o último registro em seres humanos só ocorreu em 2005 — e ela continua circulando entre os roedores.
Apesar disso, estima-se que haveria muito mais vítimas sem os sistemas de contenção e as pesquisas dos novos institutos. Embora tenham sido criados com essa finalidade, eles foram rápidos em ampliar as atividades para outras moléstias que acometiam o país.
Os institutos foram criados para resolver um problema específico, uma demanda urgente, mas foi interessante porque aproveitaram a oportunidade para criar outras coisas, sempre usando como argumento a vantagem econômica de se evitar acidentes ou novas epidemias e quarentenas.
No Butantan, Vital Brazil se dedicou à criação de soros contra a picada de cobras, muito comuns no interior ainda inexplorado. Na Fiocruz, foram desenvolvidos soros e vacinas para enfermidades como a febre amarela e a varíola, e descobertas novas doenças, como a de Chagas, descrita pelo diretor do instituto Carlos Chagas em 1909.
Hoje, o Butantan é o principal responsável pela produção de vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A Fiocruz, além da central no Rio de Janeiro, está presente em 7 cidades brasileiras e na capital de Moçambique, Maputo.
Na atual pandemia do novo coronavírus, pesquisadores da instituição paulista estão desenvolvendo um composto de anticorpos para combater a covid-19 e comandam a busca por uma vacina, enquanto a Fiocruz integra uma coalizão mundial para acelerar as pesquisas sobre o vírus. Um dos laboratórios cariocas foi também nomeado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) referência para covid-19 nas Américas.
"Não é exagero dizer que se encontram entre as instituições de ciência e pesquisa científica mais respeitadas no Brasil e no mundo.
A GRIPE ESPANHOLA
Também conhecida como gripe de 1918, foi uma vasta e mortal pandemia do vírus influenza. De janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou mais de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época. Estima-se que o número de mortos esteja entre 50 e 100 milhões, possivelmente mais, tornando-a uma das epidemias mais mortais da história da humanidade. A gripe espanhola foi a primeira de duas pandemias causadas pelo influenzavirus H1N1, sendo a segunda ocorrida em 2009.
Para manter o ânimo, os censores da Primeira Guerra Mundial minimizaram os primeiros relatos de doenças e sua mortalidade na Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos.
Os meios de comunicação daquela época eram livres para relatar os efeitos da pandemia na Espanha, que se manteve omissa, como quando fez em relação à grave enfermidade que acometeu o rei Afonso XIII. Tais artigos criaram a falsa impressão que a Espanha estava sendo especialmente atingida e, consequentemente, a pandemia se tornou conhecida como "gripe espanhola". Os dados históricos e epidemiológicos são inadequados para identificar com segurança a origem geográfica da pandemia, com diferentes pontos de vista sobre sua origem. O que se sabe ao certo é que, assim como está acontecendo atualmente com a pandemia de covid-19, a gripe espanhla, coincidentemente, surgiu no mesmo período do ano, dividindo-se em 3 ondas:
A primeira onda foi considerada mais branda, tendo sido detectada em março de 1918 no Kansas, Estados Unidos, num campo de treinamento de tropas destinadas ao front da Primeira Guerra.
A segunda onda aconteceu quando, depois de percorrer os continentes, retornou aos Estados Unidos em agosto, matando milhões de pessoas, transformada "em algo monstruoso, parecendo-se muito pouco com o que é comumente considerado "uma gripe", com uma taxa de letalidade de 6% a 8%.
A terceira onda foi mais moderada e aconteceu no início de 1919, de fevereiro a maio daquele ano. No entanto, nada – nem infecção, nem guerra, nem fome – jamais tinha matado tantos em tão pouco tempo. Foi nessa terceira onda que faleceu o presidente brasileiro Rodrigues Alves, vítima da espanhola.
A maioria dos surtos de gripe mata desproporcionalmente os mais jovens e os mais velhos, com uma taxa de sobrevivência mais alta entre os dois, mas a pandemia de gripe espanhola resultou em uma taxa de mortalidade acima do esperado para adultos jovens. Os cientistas ofereceram várias explicações possíveis para esta alta taxa de mortalidade de 2 a 3%.
Algumas análises mostraram que o vírus foi particularmente mortal por desencadear uma tempestade de citocinas, que destróem o sistema imunológico mais forte de adultos jovens.
Por outro lado, através de uma análise realizada em 2007, partindo de publicações em revistas médicas do período da pandemia, descobriu-se que a infecção viral não era mais agressiva que as estirpes anteriores de influenza. Em vez disso, asseveraram que a desnutrição, falta de higiene e os acampamentos médicos e hospitais superlotados promoveram uma superinfecção bacteriana, responsável pela alta mortalidade.
Imagem acima: Quando a espanhola desembarcou no Brasil, em 1918, a Casa da Moeda estava iniciando as cunhagens da sexta série de moedas, em cuproníquel, nos valores $400, $200, $100, $50 e $20 réis.
No Brasil a epidemia chegou em setembro de 1918: o navio inglês "Demerara", vindo de Lisboa, desembarcou passageiros doentes no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro (então capital federal). No mesmo mês, marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, no Senegal, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram outros focos em diversas cidades do Nordeste e em São Paulo.
Comments